Sou engenheiro mecânico de formação e trabalhei por 22 anos em uma multinacional do setor de eletrodomésticos, sempre envolvido com projetos técnicos e alguma relação com ecodesign, produtos ambientalmente amigáveis ou sustentáveis (termos usados na época). Em 2004, fui convidado a integrar o então recém-criado departamento de sustentabilidade da empresa em que atuava. No início, não era especialista no assunto, mas fui aprendendo na prática e, com o tempo, busquei aprofundar meus conhecimentos, chegando a fazer um mestrado em Gestão Ambiental. Foi assim que, além de desenvolver afinidade com o tema, adquiri uma base científica mais sólida.
Em 2011, deixei a empresa e, logo em seguida, fui convidado a integrar a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que estava estruturando seu departamento de sustentabilidade. Assumi a gerência desse setor justamente quando a Política Nacional de Resíduos Sólidos havia sido recém sancionada, trazendo o tema da logística reversa para o centro das discussões.
Na Abinee, com a crescente demanda dos associados – especialmente fabricantes de produtos eletroeletrônicos, pilhas e baterias – começamos a estudar a viabilidade de se criar um sistema de logística reversa. Essas discussões, promovidas também junto ao Ministério do Meio Ambiente e por entidades representativas do setor, mostraram a necessidade de criar uma entidade gestora específica para a logística reversa de eletrônicos. E foi assim que, em março de 2016, fundamos a Green Eletron.
Inicialmente, a ideia era atuar com projetos-piloto para entender a dinâmica da coleta dos produtos e as parcerias com varejo e recicladores. Mas, em 2017, uma nova legislação tornou a logística reversa obrigatória no estado de São Paulo antes mesmo da assinatura do acordo setorial nacional que aconteceria em 2019. Com isso, um projeto que começou pequeno rapidamente ganhou proporção estadual e posteriormente nacional, levando à minha dedicação exclusiva à Green Eletron, sempre em proximidade com o Departamento de Sustentabilidade da Abinee.
Em 2018, tomamos uma decisão estratégica: absorver o programa de logística reversa de pilhas e baterias, que existia desde 2010 com o nome de “Abinee Recebe Pilhas”, mas sem uma gestão centralizada e em constante ampliação diante das mudanças regulatórias e do mercado. Hoje, os programas de eletroeletrônicos e de pilhas e baterias operam de forma integrada, contando com mais de 1.600 pontos de coleta de produtos eletroeletrônicos e pilhas em 370 cidades e mais de 10.000 pontos de coleta exclusivos de pilhas, distribuídos por mais de 1.200 municípios em todos os estados.
Para falar dos desafios da logística reversa, é fundamental entender que esse processo envolve três atores principais. O primeiro é o consumidor. Podemos instalar pontos de coleta em cada esquina, mas, se ele não der o primeiro passo e levar os produtos que tem em casa até um Ponto de Entrega Voluntária (PEV), nada acontece. Por isso, um dos nossos maiores desafios é conscientizar a população sobre a importância do descarte correto. Ainda existe uma cultura de guardar equipamentos sem uso ou descartá-los de maneira inadequada, até mesmo de entenderem o que são produtos eletroeletrônicos e que todos podem ser reciclados e os materiais reaproveitados. Nosso papel é mostrar que o destino correto evita a contaminação do solo e da água, a extração de matérias-primas virgens, o consumo de água e as emissões de gases de efeito estufa na fabricação de novos produtos.
O segundo grupo são os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, que têm a obrigação legal de implementar e custear o sistema de logística reversa. Aqui, enfrentamos dois desafios principais. Um deles é a resistência de alguns comerciantes, que enxergam os coletores como um espaço que poderia ser destinado à exposição de produtos. Outro é a falta de isonomia entre as empresas que cumprem a lei e as que não seguem as normas. Implantar um sistema de logística reversa gera custos, e, se houver desequilíbrio no cumprimento da legislação, esse custo pode acabar causando um desequilíbrio no mercado porque os produtos das empresas que cumprem a legislação têm que absorver o custo da logística reversa e as que não cumprem não têm. Uma fiscalização mais rigorosa, com penalidades para quem não cumpre as regras, pode incentivar uma participação mais efetiva de todos os envolvidos.
Por fim, há o Poder Público, que tem um papel fundamental na fiscalização e no cumprimento da legislação. Alguns dos exemplos são as agências ambientais estaduais, como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), em que a licença de operação das fábricas já está vinculada ao cumprimento da logística reversa. Também há avanços no nível federal, com o IBAMA, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Temos a expectativa de que, em breve, o Portal de Importação de eletroeletrônicos exija que as empresas importadoras estejam obrigatoriamente vinculadas a um sistema de logística reversa para operar no Brasil. Para as pilhas, esse controle já ocorre por meio da obrigatoriedade de declaração e apresentação de laudos anuais, fiscalizados pelo Ibama.
Vale lembrar que o descumprimento da logística reversa é passível de multas previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que podem variar de R$ 50 reais a R$ 50 milhões. Mas, além da fiscalização e das penalidades, a própria mudança de comportamento da sociedade leva tempo. Basta olhar para o uso do cinto de segurança: no início, poucos viam sua importância, depois passou a gerar multas e, hoje, ninguém mais questiona sua utilidade. Acredito que, com o tempo, o descarte correto de eletroeletrônicos, pilhas e baterias seguirá esse mesmo caminho e se tornará um hábito natural para a população.
Antes de tudo, é importante destacar que, embora muitas empresas se associem à Green Eletron alinhadas às suas estratégias de ESG e regras de compliance, a principal motivação vem da obrigatoriedade legal do descarte correto de resíduos eletroeletrônicos (Decreto 10.240/20), pilhas e baterias (Resolução Conama 401/08). A legislação exige que as empresas cumpram esse compromisso, mas estruturar um sistema de logística reversa de forma individual é financeiramente inviável, especialmente em um país de dimensões continentais como o Brasil. Isso demandaria investimentos altos em equipe, infraestrutura e operação.
É justamente nesse ponto que a Green Eletron entra como uma solução coletiva. Nossa atuação facilita todo esse processo para as empresas, desde a estruturação do sistema até a coleta, reciclagem e reporte às entidades governamentais. Dessa forma, oferecemos um modelo eficiente, compartilhado e de alto impacto, permitindo que as organizações atendam às exigências legais sem precisar desenvolver um sistema próprio do zero.
Além disso, há um grande potencial em comunicar essa parceria como um diferencial estratégico. Ao estarem vinculadas à Green Eletron, as empresas demonstram um alto comprometimento com os princípios ambientais, sociais e de governança. Uma comunicação clara e objetiva sobre essa atuação pode abrir portas para novos nichos de mercado e atrair consumidores cada vez mais atentos às questões ambientais na hora de decidir suas compras.
Um dos principais eixos de evolução que vejo para os próximos anos é o trabalho conjunto com o Poder Público para que a fiscalização seja ainda mais rigorosa, buscando que todas as empresas cumpram a lei. Isso é essencial para evitar que produtos descartados incorretamente gerem contaminação do solo, da água e, consequentemente, afetem a saúde das pessoas.
Outro ponto que precisa ser constantemente reforçado é a conscientização do consumidor. A população precisa entender a importância de descartar eletroeletrônicos de forma correta e em PEVs oficiais. Quanto mais forte essa conscientização, maior será o volume de materiais coletados, o que, por sua vez, gera mais empregos, fomenta novas tecnologias para separação e reciclagem e impulsiona a economia como um todo. Afinal, se existe uma grande cadeia para fabricação, transporte e venda de produtos eletroeletrônicos, o mesmo deve acontecer na cadeia reversa – criando oportunidades de trabalho, movimentando tributos e incentivando investimentos no setor. Isso, para mim, é a essência da economia circular.
Além disso, acredito que um dos pilares mais promissores para a Green Eletron é a educação ambiental. Queremos ampliar nossos projetos voltados às escolas, desde o ensino fundamental até o médio, para levar essa mensagem às novas gerações. As crianças têm um papel essencial na transformação de hábitos, porque levam o conhecimento para dentro de casa, questionam pais e familiares e despertam neles uma nova consciência sobre a importância da reciclagem e do descarte correto.
O que eu realmente sonho para o futuro da Green Eletron é consolidar um legado de educação, conscientização e mudança de comportamento, impactando as próximas gerações e contribuindo para um planeta mais sustentável e menos explorado.
O que me motiva é fazer algo novo, algo que ainda não era feito. Trabalhei muitos anos com engenharia, e, embora seja uma área que evolui constantemente, ela sempre parte de bases já estabelecidas. Sustentabilidade, reciclagem, reaproveitamento de materiais e economia circular são campos relativamente novos, e isso me desafia. Não quero reciclar assuntos antigos, quero reciclar ideias novas.
A cada dia surge algo diferente nesse setor, e isso me mantém motivado. Se fosse apenas para repetir processos, eu já teria parado faz tempo. O que realmente me move são os desafios constantes e a possibilidade de construir um futuro melhor, não só para mim, mas para meus filhos, netos e para toda a sociedade.
Para quem quer entrar na área, minha principal dica é estar aberto ao novo. Como estamos lidando com um setor inovador, ainda sem regras totalmente consolidadas, precisamos de pessoas dispostas a pensar diferente e a experimentar soluções inéditas. Sustentabilidade não tem uma receita de bolo. Estamos sempre aprendendo, testando, errando, ajustando e evoluindo. Se você tem essa mentalidade, então esse é um campo cheio de oportunidades para você.